domingo, 28 de dezembro de 2008

Palavras de Domingo...


Nunca tive muita afeição pelos domingos, tenho a impressão que eles sempre passam rápido demais e o resultado disso é a péssima sensação de ter visto algo que ficou para trás. Portanto, para driblar esse olhar de retrovisor, fiz dos meus domingos dias de refúgio, dias de silêncio sem programações mirabolantes ou expectantes.
Geralmente, é quando abro as minhas gavetas da alma, caixinhas cheias de segredos, sonhos, sorrisos e lágrimas. Às vezes, o tempo apaga algumas memórias, mas no fundo das gavetas, entre as teias entrelaçadas do pensamento, encontram-se sempre pedaços do que se viveu.
No quarto vazio, na cama desarrumada, a música me torna leve, solta, ela traz uma saudade, uma emoção, um sentimento e em companhia do silêncio das paredes me entrego ao silêncio das palavras, as quais me tocam ainda mais fundo, tocam-me a alma. E de uma forma estranha, aos poucos elas limpam as entrelinhas e ajudam a perceber o que se sente, aquilo que ficou escondido com o pó dos dias de semana.
E assim, vou passando meus domingos, entregue as músicas, palavras e imagens. A magia está nos rabiscos desordenados, as palavras nada mais são que imagens que sentimos, mas também podem ser aquilo que queremos que sejam, muitas das vezes escrevemos palavras soltas, que quando formam uma frase, mostram o que realmente somos e o que sentimos de verdade, por vezes dizemos que não e nas palavras toda a alma grita que sim. As palavras soltas da alma são a nossa verdadeira essência, não nos escondemos, nem nos desculpamos, somos cada uma delas, feias ou bonitas, sem qualquer tipo de qualificação, porque as palavras soltas são palavras sentidas.


sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Metamorfose


Como uma borboleta que acaba de romper o invólucro da pupa, movimenta suas asas para sentir os novos ares. Acordará cedo, na cabeça inúmeros planos, projetos e afazeres. Cronometrou o tempo, traçou caminhos, afinal, estava quase pronta para mudar de fase, quase pronta para nascer.
Acomodou-se na poltrona, observou ao seu redor, somente desconhecidos, logo, remeteu ao seu novo vôo, não sabia se já estava preparada, mas havia chegado o prazo dado por sim mesma, precisava cumprir mais essa meta e lá ela estava, porém toda ansiosa, só mesmo a forte chuva desviava seus pensamentos.
Queria chegar o mais rápido possível, o relógio já fatigado, resistia aos solavancos do afoito braço irrequieto. Desenhou, brincou, digitou e cantarolou. Fez tudo que ela mais gostava de fazer em suas horas vagas, mas nada adiantava, no peito o aumentar da angústia em esperar.
Enfim, eis a chegada. Dia nublado, céu nebuloso e pelas ruas escuras correntezas d’água, coisas que inflavam seus medos, temia que algo não saísse da maneira que planejava. E aquela sensação que tanto a desagradava invadiu e tomou seu corpo, movimentos e pensamentos desconexos, estava perdida, segundos e minutos de apreensão, aff...
Deu tempo ao tempo, deixou com que as coisas acontecessem, lutando contra suas convicções bloqueou seus planos, apenas permitiu que tudo se resolvesse, ela que andava ainda mais descrente, voltou a acreditar no poder do destino, na interseção do acaso ou da sorte, e por isso, então soltou: “o que tiver de ser, será”.
E por fim, acabou sendo, depois de lutar contra a resistência do casulo, havia se libertado e estava de encontro com seus próprios ventos, tentava desenhar no ar sua tamanha felicidade, no seu rosto um sorriso largo e bobo, não visto pelos olhos, mas percebido e gravado pelo olhar cardíaco e nele, no coração, batidas amenas, resultado da satisfação em ser vitoriosa nessa sua nova conquista. Que bons ventos venham, limpe esses céus e que na manhã seguinte, outras borboletas também possam vir brincar.

sábado, 8 de novembro de 2008

Apenas degraus


Pés se equilibrando no meio frio, olhos a diante, braços abertos como quem espera um abraço e no coração uma saudade latente. Desviar de degraus nunca foi sua maior habilidade, não percebia os desníveis do solo, tão pouco de sua vida. Há muito viveu presa em suas construções de papelão, pequenos desenhos que se desmanchavam com os pingos de chuva e no chão apenas as marcas de seus sonhos.
Estava a experimentar novos territórios, descobriu que podia voar sem asas, desistiu então de inventar planos miraculosos, percebeu que o simples sempre era o melhor caminho. Desafiou seus manuscritos e se entregou aos sentidos, houve dias de sacrifício, pensamentos dolorosos e perturbadores, aqueles que afastam o sono e alimentam pesadelos.
Os dias passam, os passos se transformam em rastros e tudo ao redor se resume em encontros e reencontros, desabotoou os botões que prendiam seus medos, aprendeu a ouvir os sinais e entendeu que a vida tem perigo, mas não que ela seja o perigo. Resolveu viver um dia de cada vez, o início de sua vitória sobre os degraus.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Aff...


Corpo de lado, cabeça no travesseiro, tudo muito estranho...
Sentindo uma falta...
Braços e mãos sem lugar...
Vontade de estar junto...
Toques de peles...

Afagos nos cabelos...

Sobrando espaço no meu lado esquerdo...
Noites assim não são fáceis...
Olhos que insistem em permanecer abertos...
Pensamentos que não param...
Necessidade de voz ao ouvido...
Chegando a conclusão que ando dependente...
Extremamente dependente...

Do seu cheiro...
Do seu olhar...
Do seu sorrir...
Do seu beijo...
Dependente de você!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Dias de agonia


Coração apertado, algo que me incomoda...
Sensação de agonia, um nó na garganta...
Mãos irrequietas, dedos nervosos...
Sento e levanto...
Abro e fecho as portas, olho para o céu...
A lua desvia meus pensamentos por alguns instantes...
Mas ao mesmo tempo me conduz novamente a você...
Sua voz ao meu ouvido e em segundos o arrepio de minha pele...
Desejo de estar sempre junto, perto...
No meu braço esquerdo o seu abraço...
Vontade de passar os dias assim...
Distante de calendários, relógios...
Distante de tudo...
E perto de você!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Bússolas e destinos


Andando pela calçada se encantou com a flor caída no chão, tinha uma cor diferente, algo entre o vermelho e o laranja com as bordas roxas, sutil a mistura daquelas cores, ela ficava ainda mais bonita quando iluminada por aquele sol, definitivamente, um dia que começava muito bonito.
Saiu de casa com destino certo, precisava de algumas frutas e verduras, apanhou sua bolsa e foi.Tomou o coletivo na esquina e sentou-se num banco vazio, apoiou o braço na janela e pôs-se a observar a rua, seus olhos que facilmente se encantavam e desencantavam mirou no caminhar da moça com saia rodada, transmitia uma certa leveza que acalentava a alma, a mesma leveza que D.Luiza queria para sua vida.

Desviou os olhos e encontrou uma companhia ao seu lado, não tinha notado a sua presença até então, estava encantada com a saia branca rodada. Respondeu ao cumprimento, não reconhecia aquele rosto, mas também não quis deixar de conhecer, ela gostava de gente e mais ainda de prosas despretensiosas por acaso.

Depois do bom dia, iniciou o bate papo sobre as eleições, não que fosse seu assunto predileto, mas foi uma boa forma de contato, descobriu que tinham preferência pelo mesmo candidato, após velozes minutos constatou que havia mais algumas coisas em comum.

Sinal vermelho, anúncio de que ela acabará de mudar seu destino, os pensamentos soltos a fez perder o ponto do ônibus, D. Luiza que sempre mantinha sua vida presa numa bússola, começara a andar na direção contrária.
PS.: Peço desculpas pelos dias de ausência, mas devido a pequenos probleminhas técnicos fiquei sem acesso a rede...
Beijinho a todos...

domingo, 24 de agosto de 2008

Não tão só


Mãos a se tocar e nos lábios o desejo de um beijo, assim são seus rápidos encontros. Olhares a desvendar pensamentos, no peito um ritmo descompassado, alternância de tons produzida pela surpresa.

Seu dia se iniciará bem cedo, tivera uma daquelas de suas noites velozes, acordou com uma imensa vontade de se entregar ao aconchego do travesseiro, porém o relógio insistia em disparar, sem muitas alternativas pulou da cama, ligou a TV e foi para o banheiro. Em baixo do chuveiro tentava manter-se em pé, mãos na parede equilibravam o corpo cansado. Os dias de inverno não estavam sendo misericordiosos com ela.

Ficou sob a água por uns 15 minutos, mas o desejo de ficar tornou-se latente, ela desligou a torneira e se enrolou na toalha, aumentou a TV, sentia-se só, precisava de companhia, alguém que compartilhasse com ela aquele amanhecer sem muito sol. Lá fora as nuvens a encobrirem as montanhas, gostava de dias assim, gostava de ficar sozinha, acreditava que havia dias em que precisava ficar sozinha, mas de uns tempos para cá, D. Luiza anda com medo de ficar sozinha e principalmente, anda com medo de ficar com o coração sozinho.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Certos sonhos


Corpo cansado, pensamentos em desencontros, no quarto do hotel se estende por baixo do cobertor, seus olhos lutam contra o sono, abre e reabre por infinitas vezes o livro, precisava ler algo ainda, mas não conseguiu resistir muito e por fim, entregou-se a quem lhe roubava as forças.

Ela acreditava que sonhos poderiam mesmo se tornar realidade e por isso, vagava durante os seus, viajava longas distâncias e mesmo com asas cansadas, ela se encontrava clandestinamente com quem a fazia bem.

Deixou-se levar pelos encantos da lua cheia e permitiu com que ele a domasse e a conduzisse num balé de estrelas, estiveram por algum tempo com os corações atados, mãos quentes e respirações ofegantes. D.Luiza agora andava se entregando a sua paixão até em sonhos.

sábado, 2 de agosto de 2008

Será?


Dia meio triste, sensação de angústia a preencher o peito, coisas que não acontecem trazem ansiedade, mil afazeres e muitos ainda por fazer, numa correria onde não se conta distância, mãos e pernas agitadas e na cabeça uma impressão de que há muito fora do lugar.

Arrumou a cama, esticou-se no edredom, colocou os fones de ouvido e no MP3 a trilha sonora de sua vida, canções que a confortava, que a fazia acalmar, seus braços sobre o peito apoiava o livro de crônicas, as letras conduziam seus olhos e mais impressões vinham em sua cabeça.

Dois toques no telefone a resgatou, girou o corpo e alcançou o aparelho, no escuro os números se misturavam, o movimento mecânico nas teclas a ligava com sua outra metade. Após alguns segundos de espera, sua angústia se desfez ao escutar um “Oi meu bem”. D.Luiza sentia se esquisita, uma constante sensação de falta, como se parte dela havia se perdido, ou quem sabe, seqüestrada, ela estava como refém, refém de seus sentimentos e desejos.

Ela não sabia, ou melhor, nunca soube lidar com certos tipos de ligações, deixava sempre o telefone desligado, tinha medo de chamadas clandestinas e principalmente, tinha medo daquilo que ela sempre desejou ter. Estarás D. Luiza apaixonada?

terça-feira, 22 de julho de 2008

Coisas de cinema


Era sábado, havia acabado de tirar a mesa do almoço, uma moleza no corpo, uma vontade de se entregar a cama, deixar com que a ação pós-feijoada tomasse conta de seus sentidos, mas na pia ainda muitos pratos e em sua cabeça muitos pensamentos. Gostava de lavar louças, a água que brincava com seus dedos ensaboados, deixava mais leve seus medos. Deslizava os talheres entre as mãos, colocava os limpos no escorredor esticando o braço para mais uma remessa e com isso, logo, todos os garfos, facas e colheres estavam abraçados naquele cantinho.

Enfim, depois de alguns minutos, ela se afasta da pia, na barriga a marca deixada pela brincadeira com água, mas não se importava, ajeitou a blusa e foi até a sala, ligou a televisão e nada lhe atraiu. Sentou-se em frente ao computador, viu algumas notícias, leu uns e-mails e cumprimentou alguns parentes pelo MSN. Desistiu da conversa, o sono a seduzia mais que falas sobre o tempo. Desligou tudo e foi para o quarto, puxou o travesseiro, encontrou uma revista daquelas de famosos, em meio a tantos anúncios viu que haviam lançado um filme novo, gostou da sinopse e se empolgou, ligou para o cinema e viu se estava em cartaz, o pulo da cama era reflexo da resposta positiva.

Em frente ao espelho uma nova imagem, D. Luiza tirara sua blusa molhada e vestira um de seus vestidos florais, soltou os cabelos e na boca o inseparável batom carmim. Estava pronta para ver Kung Fu Panda!

Fila do cinema, ela, uma coca e uma caixa de pipoca, seus olhos fixos nos cartazes, mas ainda encantada por aquele gordinho lutador de olhos manchados. Atravessou a porta, tudo escuro, apenas algumas luzinhas vermelhas a guiar o caminho, olhou para o fundo e escolheu o lugar, ninguém ao lado. Subiu as escadas e assentou na poltrona central, logo abaixo da saída de luz. Abriu o refrigerante e brincou com o barulho da pipoca.

Filme começando, sombras lhe atrapalham a visão da tela, ela se contorce, gira a cabeça para os lados, estica os olhos e pessoas se aproximando, e pessoas se assentando, e pessoas desconhecidas ao seu lado. Não reparou na criatura, não queria perder os saltos do gordinho peludo, sorria como criança, estava feliz.

Todos já nos seus lugares e o filme a rodar, momento de silêncio, um adeus em meio ao despenhadeiro, no semblante de D. Luiza uma decepção, ela que gostava dos filmes infantis por somente terem alegrias, comoveu se ao ver uma cena triste, alguém havia morrido. Deixou cair os braços sobre o encosto da cadeira, mas sentiu algo diferente, estava sobre o braço daquele que ela mal havia visto, e em segundos se viu no olhar dele, mesmo naquela escuridão, ela se viu por outros olhos, seu corpo estranhamente arrepiou e em meio ao descompasso de coração e respiração ela desejou o ter visto antes.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Indicação...


Muito feliz por estar aqui anunciando que Esquadros foi indicado ao prêmio Blog 5 estrelas, criado pela Carol do Gotas diarias de Sentimento, essa surpreendente indicação veio da querida Maria Fernanda, que aqui deixo meus sinceros agradecimentos.
E mantendo o regulamento da promoção aí estão os meus indicados

Para mais informações sobre a promoção é só ir no http://www.gotasdiariasdesentimento.blogpost.com/

domingo, 13 de julho de 2008

Frio e quente


Noite de frio, típica sensação provocada pela chegada do inverno, lá fora o vento uivava, fazia se notar pelo toque na janela. As luzes apagadas evidenciavam ainda mais o brilho daquela lua cheia. No quarto pouco havia, apenas uma pequenina mesa e a cama, essa grande, com um colchão convidativo e por cima dele dois travesseiros brancos.

Ela tomou um deles sobre o peito e o abraçou, repousou a cabeça fechando os olhos, seu corpo cansado queria adormecer, mas seus pensamentos a mantinham acessa, suas pernas sobrepostas encolhiam-se por baixo do edredom. Em busca de uma melhor posição, girou para os lados, arrumou os cabelos, puxou o outro travesseiro e o colocou entre as pernas. Abraçando o outro ainda mais forte, cerrou os olhos. Era tarde precisava dormir.

D. Luiza sentia seu corpo leve, um contentamento invadia sua alma e a deixava com um sorrir bobo, sorriso que tentava disfarçar na presença de estranhos, mas que soltava prazerosamente sob o edredom. No travesseiro um sinal de quem a pouco partiu, um perfume que lhe arrepiava e que atiçava os pensamentos, esses culpados por seu corpo insone.

Com as mãos sobre o rosto, lembrava daquelas últimas horas após ter aberto a porta, do intervalo silencioso entre as xícaras de café, do primeiro toque de mãos, do aproximar no sofá e do beijo. Um beijo que a deixou mole, uma mistura de sentidos, flutuou em segundos e aterrizou naqueles braços que um dia havia perdido.

Um toque de campainha a assustou, arrancara lhe de súbito de suas boas recordações, frustrada ela mordeu os lábios. Ficou na cama, quem sabe poderia ser engano? Mas não, outro toque e outra mordida. D. Luiza arrumou-se em seu pijama de bichinhos e foi à porta. Girou a maçaneta e seu quase sonho havia se tornado realidade, aterrizou novamente naquele abraço quente.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Após abrir a porta


O sol já se pondo e o vento um tanto quanto atrevido lhe arrepiava os pêlos, ela tentou se aquecer com as mãos, mas uma tentativa meio em vão, a presença de alguém a porta produzia uma sensação ainda maior de frio. Sua respiração cadenciava os seus movimentos, levou as mãos à cabeça e ajeitou seus longos cabelos pretos, deslizou os dedos pela cintura e arrumou o vestido floral e os olhos para baixo conferiram as sandálias vermelhas de salto. Ela parecia estar pronta para o encontro.

Atrás da vidraça, o vulto se virava para os lados, contorcia seu corpo como quem estivesse com comichão, ao ouvir o barulho das chaves se aquietou e de súbito um suspiro soltou.

Em um leve movimento de cabeça se cumprimentaram, sem pronunciarem qualquer palavra se atrapalharam no aperto de mão. Somente no abraço, com o encontro daqueles dois corações tudo se acalmou.

D. Luiza com suas frias mãos gesticulava para que entrasse, ele que carregava um guarda-chuva pôs se em sua sala de estar, ela apontou o sofá e ofereceu café, ele ajeitou-se por entre as almofadas e segurou a xícara, os dois encobertos pela fumaça se entreolharam, ainda sem dizerem nada deram as mãos.

E após ser tocada D. Luiza sentiu sua fria e trêmula mão se aquecer, ele tinha mãos quentes e suaves, seus dedos se ataram. Olhos nos olhos, bocas secas, corações descompassados, enrubescimento de faces, calafrios inexplicáveis e apenas três palavras: “Senti sua falta”.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

De volta


Os dias passam e as noites encobertas dão o tom da estação, depois de um período de distância D. Luiza regressa para seu abrigo, no passeio folhas secas tomam conta dos ladrilhos, as janelas fechadas e tapadas pelas cortinas sinalizam que a casa está vazia. Sutilmente, como sempre, ela atravessa o jardim e se depara com a porta, busca por entre o molho de chaves aquela dourada que há muito não empunhava, olha fixamente para a fechadura e como quem toma uma grande decisão estica o braço e gira a maçaneta. Acabava de retornar a cena de seus últimos pensamentos.

Ao primeiro passo encontrou alguns bilhetes espalhados no chão, pela poeira acumulada supôs que havia alguns dias que já estavam por ali, ela ainda achou outros mais novos embaixo da mesa. Abriu uns, leu rapidamente e viu que alguém totalmente inesperado havia sentindo sua falta.

Pôs-se no sofá, encostou a cabeça nas almofadas e olhando para o lustre deixou se guiar pela música que vinha do vizinho, seus pensamentos ainda embaralhados buscavam alento no passado, nos momentos felizes em sua sala de estar ou simplesmente nos dias em que sua vida não se resumia em lembranças.

Fechou os olhos e concentrou-se ainda mais na música, tinha a sensação que já havia a escutado antes, talvez em algum filme, mas como nunca se lembrava mesmo, desistiu de pensar e apenas ficou a sentir. Em meio ao som do piano e da flauta, um toque de campainha invadiu sua casa. Sem acreditar olhou para o lado, atrás da porta uma sombra denunciava uma visita.

Relutando contra seu cansaço pós-viagem, levantou e dirigiu-se a porta, quis espiar por entre as frestas, mas o oculto não se pôs numa posição observável e como quem toma uma grande decisão, ela repetiu o gesto feito há bem pouco tempo, esticou o braço e girou a maçaneta. Acabava de retomar a cena de seus últimos pensamentos, estaria ela pronta para se apaixonar novamente?

domingo, 15 de junho de 2008

Anjos de asas


Em pé, seus olhos se encontraram, suas mãos se tocaram e seus corações sentiram num instante de silêncio tudo em volta rodar. O tempo que há dias atrás passava tão lentamente, agora voava...

Pelos vãos da cortina frágeis raios de sol, esse já se pondo anunciava que a noite havia tomado conta do dia, acompanhavam a mudança do tempo e dos seus tempos, enfim os relógios estavam ajustados, minutos e segundos se encaminhando para as suas horas.

Curtas e intensas horas, um desejo de um pouco mais, bom sinal! Dizem por aí que quando as horas passam rápido, quer dizer que houve nelas agradáveis momentos. Sim. Muitos bons momentos...

D. Luiza estava a brincar com seus sonhos, havia se tornado refém de sua prisão imaginária, uma refém que se liberta de todos os seus medos ao estar com quem gosta em sonho. Seu corpo leve tomava conta da cama, esquecia por instantes a presença do marido que já não a tinha como antes. Ela que se apaixonara perdidamente por uma voz, agora se entregava a um anjo de asas que atrevidamente invadia sua vida, deixando a sem reações, mãos e pernas se entrelaçavam ao travesseiro, olhos cerrados mantinham-na acompanhada e suspiros silenciosos denunciavam prazer.

A noite veloz finda no despertar de D. Luiza, ela se arruma rapidamente para mais um dia, mas não se incomoda muito, pois sabe que anjos sempre estão por perto e que no mais tardar ela o reencontrará, e assim poderá manter sua expressão de boba e seu coração meio que cor de rosa.

domingo, 8 de junho de 2008

Somente em Domingos...


Com os pés descalços ela sentia a brancura fria dos azulejos do banheiro, deixava com que a água afagasse os cabelos que sempre mantinha presos por temer o vento, a cabeça doía um pouco, não tinha dormido direito. Mil pensamentos roubavam-lhe os sonhos, nos ombros marcas deixadas pelas dores do mundo...


Tentava aquietar a mente, seguindo a água que lhe percorria o corpo, com os olhos baixos a acompanhava fugir por entre seus dedos, ficando uma sensação de que havia deixado escapar mais alguma coisa...


Escolhas, muitas e difíceis. Será que ela tinha se perdido no caminho ou o caminho que havia se perdido dela? Fechou os olhos e sacudiu a cabeça, as coisas pareciam incertas, mas ela não estava perdida. Sabia quem era, apenas, não se reconhecia diante ao espelho, suas expressões não condiziam mais com sua alma. Apoio-se na pia e suavemente se enxugava. Era dia de Domingo, algo de bom haveria de acontecer...

PS:. Texto escrito a quatro mãos e duas telas, uma pintura do que pode se criar através de pensamentos distantes... Obrigada senhorita Narradora!

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Ver para crer, será?


Hoje estava por conta do à toa e sai por aí buscando um pouquinho de palavras, perdida por esse mundo de blogueiros encontrei cantinhos cheios de vida, devaneios, histórias, estórias, mas acima de tudo, pude encontrar alento. Gosto de desvendar o que há nas entrelinhas, sentir prazer ao descobrir algo implícito no pensamento de alguém desconhecido, vencer mais um desafio ao encontrar algo que me toque os olhos...

Mas agora estou pensando nisso, nesse constante desafio de estar próximo, de querer ver e compreender tudo...

Engraçado que sempre quando essas idéias vêem em minha cabeça, lembro-me dos dizeres do Príncipe pequenino, aquele que possuía cabelos com cor de trigo, ele que brincava com a racionalidade dos adultos dizia: “Os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração.”

Definitivamente, as pequenas coisas que nos são valiosas, como respeito e bem querer estão sendo engolidas pelo tempo, devoradas pelos afazeres imediatos e infelizmente, digeridas como a última bala que se dissolve rapidamente na boca...

domingo, 1 de junho de 2008

De passagem


Numa noite qualquer, talvez numa dessas de Domingo com futebol...
Onde a poltrona não é mais a melhor amiga...
E as manchetes só anunciam as mesmas notícias do jornal...
Dá uma vontade de desligar tudo e embaixo das cobertas ficar...
Mas, há que uma gota de chuva dessas inesperadas...
Toca o vidro da janela e o som desperta que andava adormecido...
Pode ser sinais de fumaça, quem sabe um pedido de ajuda...
Momento em que anjos devem saltar da cama e agitar suas asas...
Hora de sair sobrevoando os céus...
E com os olhos fechados e coração aberto buscar por entre as nuvens...
Seja uma simples borboleta ou o mais belo girassol...
E nesse momento de paz sentir tudo em volta transforma-se...
Mandar tudo que sufoca nos dias de rotina passear...
E apenas sair por aí cumprindo a missão de estar aqui só de passagem...
Tocando nos e fazendo com que algo seja diferente...

terça-feira, 27 de maio de 2008

Tarde


Não tenho muito a contar
Tão pouco, anos a anoitecer
De um todo a se finalizar
Um novo pronto a nascer

Sem ouvir me espanto
E ao longe, no mar
Grito para sentir o canto
Um encanto vindo com o ar

Tarde,
É hora de voltar
Tudo em volta arde
Saudade em estar

quinta-feira, 1 de maio de 2008

As aparências enganam


D.Luiza, em um dos poucos momentos que se encontrava sem seus afazeres habituais, estava sentada na varanda a observar o vento que balançava a roupa estendida no varal. Com uma leveza tal, as barras das calças pareciam dançar no ritmo das rajadas de ar. Era bonito ver as mangas de camisa se abraçarem e, em instantes, todas as cores se misturarem.
Era um dia silencioso, apenas ouvia a zoada dos pardais agitados, talvez fossem eles a dar o tom para a dança do vento. Estranhava por as crianças do casal de vizinhos não terem ainda saído, era costume nas manhãs de domingo brincarem de bola na calçada, abafando o barulho dos pardais. Esticou os olhos além da cerca e nada delas. Segurando o braço da cadeira, levantou-se, dirigiu-se ao portão, viu que realmente tinha algo diferente, a rua estava deserta, sem carros estacionados.
Decidiu dar uma volta pelo quarteirão, arrumou seu vestido floral e abriu a porta. Andava sempre lentamente, como se estivesse a contar os passos, não tinha pressa alguma, queria apenas dar uma volta na rua. Seus dias corridos nunca a permitiram andar por ali com tanta tranqüilidade. Em dias normais, com muitos carros e pessoas a transitarem, era impedida de observar as flores que desabrochavam no grande Ipê Roxo. Notou também que a prefeitura havia mandado caiar o meio fio, estava tudo tão limpo, gostou do que viu. Passou em frente à casa de Marta, pela janela a viu na sala, levantou a mão e acenou. Lá de dentro, Marta fez um gesto pedindo que a esperasse, ela o fez. Aguardou olhando tudo em sua volta, percebeu que o silêncio não estava apenas em sua casa, mas em toda a rua.
A amiga veio junto a ela e se cumprimentaram. D.Luiza perguntou se havia acontecido algo, o porquê de todo aquele silêncio para um dia de domingo. Ela balançou a cabeça num gesto negativo, como se dissesse que não sabia o que acontecia. D.Luiza sentiu um apertar no peito ainda mais estranho diante daquela resposta da amiga e então as duas, sem dizerem nada uma com a outra, seguiram em direção à igreja.
Viu que havia um certo movimento, alguns carros parados, pessoas na porta, porém percebeu algo de estranho, pois não havia música, como era de costume nas celebrações dominicais. Em frente à porta, havia um casal abraçado, como se estivesse a se consolar. Aproximando ainda mais, pôde ver um letreiro luminoso com o emblema da funerária local, descobriu todo o mistério. Alguém havia morrido no bairro.
Ela, então, caminhando ainda lentamente, olhou para a amiga e pôs-se junto às escadas, subiu os degraus e deparou-se com alguns de seus vizinhos de rua e outros desconhecidos. No altar, viu o caixão suspenso por aparadores dourados e cobertos com flores brancas, em volta algumas coroas e menções de condolências, não leu as mensagens, havia deixado seus óculos em casa.
Aproximou-se ainda mais e viu o marido de D. Marta, ele a cumprimentou com um aceno, estava abatido e mantinha um olhar sombrio. Desviando seu olhar do dele, ela mirou o morto. Com um passo para trás, equilibrou-se ao ver Marta morta.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Meio que assim


Eu sou assim...
Um pouquinho de cada um...
E há dias em que cada um reflete uma parte de mim...
E tudo vai se completando de algum jeito...
O que importa na verdade não é o que somos...
Mas o que conseguimos completar...
O que deixamos dentro de cada pessoa que nos cruza o caminho...
Há aqueles destemidos que nunca se apegam...
Que vivem sempre em busca de um desafio ainda maior...
E quando o sabor da conquista se perde com o tempo...
Ele volta a racionalizar um novo plano...
Há também os frágeis que têm medo de estar muito próximos...
E então na maioria das vezes diante ao desconhecido fogem...
Deixando frases pela metade e sentimentos ocultos...
Porém tornam-se seres com uma simpatia contagiante...
E com simples sorrisos abrem diversas portas cardíacas...
E em meio a essas duas oposições...
Há os sensíveis...
Que buscam nas pequenas coisas, furtivos prazeres...
Desenham o mundo em sua volta como um poema métrico...
Cheio de rimas e fantasias...
Brincam com as palavras da mesma forma com que embaralham as cartas...
Controlados e ao mesmo tempo envolventes...
São capazes de demonstrar seus sentimentos sutilmente...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Valsa da noite


Seduzida pelo clarão da noite com lua...
Aprisiono-me na magia das estrelas...
E fico a transitar por entre as sombras das nuvens...
Na esperança de um próximo cometa...
Consegue vê-los?
Senão, nem precisa pensar em abrir os olhos...
Deixe os fechados, pois basta olhar com o coração...
Fascina-me a linguagem muda do olhar...
Uma linguagem única, que não disfarça encantamentos...
Adoro olhares...
Através deles a alma dança todas as danças do amor...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Dói


Sem parar para pensar no que andam falando por aí...
Fico juntando as folhas que me são doadas pelo vento...
E aos meus pés toda essa natureza...
Pequenas coisas que me têm escapado novamente...
Simplesmente parada ao lado sem saber o que quero de mim...
Vou desviando o olhar do que me fere...
Certo ou errado...
Ainda escuto dizerem que ainda é cedo demais...
À beira de todas as respostas o silêncio grita...
É o desejo de estar longe daqui e perto de lá...

terça-feira, 1 de abril de 2008

O que não passa


Passos noturnos na varanda
Pelas escadas vão
Da janela a porta anda
Estreito corrimão

Silêncio na madrugada
Apenas luz de lampião
Noite enluarada
Companhia da solidão

Uma noite calada
Ausências no coração
Alma embriagada
Desejos de uma paixão

quinta-feira, 20 de março de 2008

Atravesse


Ao desistir de sonhos e objetivos...
Acaba por se soltar as rédeas do próprio destino...
Perdendo assim o controle da vida...
Se diante a um mero descontentamento dá se por vencido...
Aí sim, todas as desventuras podem significar o fim...
Passando a não mais acreditar na felicidade...
E ser aos outros olhos um objeto de piedade...
Assumir vontades é ultrapassar os limites interiores...
Às vezes pode realmente ser muito perigoso...
Mas, onde não há perigo...?
Atravessar para o outro lado de uma ponte é um exemplo...
Porém, ficar parado esperando, também o é...

domingo, 16 de março de 2008

Amor


É doce, uma brisa suave na alma...
É carinho, um sorriso meigo em cada amanhecer...
É sonho tranqüilo...
É um desejo quente, aconchegante...
É a partilha da alma e da dor...
Estar enamorada é isso tudo mais todos os sintomas da paixão!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Como andas?


Há quem ande pelas ruas apenas a observar borboletas...
Prendendo suas cores no pensamento...
E afastando da alma todo o cinza que engole os dias...
Há quem ande pelas ruas apenas a observar pessoas...
Prendendo suas formas no pensamento...
E afastar da alma todo o vazio que alimenta a saudade...
Mas ainda há quem ande pelas ruas apenas por andar...
Sem colecionar cores ou formas...
Sem querer afastar-se de nada...
E talvez sejam essas as pessoas que conseguem desbotar o cinza da saudade com felicidade...

domingo, 9 de março de 2008

Entardecer com arrebol


Hoje, estou aprendendo a ouvir com o coração...
E essa experiência só me tem feito bem...
Estou abrindo um diferente canal para capturar outras sintonias...
E em noites de lua cheia, tudo é inspiração...
Porque é uma ocasião propícia para o encontro de almas...
Almas que amam poesias e palavras...
E que sentem com o espírito o pulsar dos sentimentos mais puros e belos...
Como num entardecer com arrebol...
Onde loucuras se cometem para não perder sequer um instante...
Presenciar a noite de mansinho ocultar o brilho do dia...
Um momento no qual sol e lua dividem o mesmo céu...
Sem qualquer tipo de competição entre eles...
E nessa mudança, nada é clandestino ou ilegal...
Apenas tudo se completa...
Estando cada qual em seu ângulo apenas a emitir luz...
E nós nos tornamos seres duplamente iluminados...
Mas, infelizmente, nem sempre se dá conta desse privilégio...
Porque o nosso espírito está preso ao que é conceituado como belo...
Então, desviam-se as atenções para a simples matéria...
Deixando o que realmente importa de lado...
Mas, eles que são seres fortes, de energia e que se respeitam...
Possuem uma capacidade incrível de transformar tudo em nossa volta...
Afinal, nada se cria nada se perde...
Tudo simplesmente se transforma...
Mas, quando se está preso às trevas, esquece de ser luz, energia...
E a chama que alimenta os sonhos aos poucos se apaga...
Ficando o dia ainda mais escuro...
Mas, quando se vê o surgir da lua em meio aos raios de sol...
Nota que não existe solidão em parte alguma do mundo...

domingo, 2 de março de 2008

Noite veloz


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Acordou com o toque do telefone, seus olhos resistiram em se abrir, esticou a mão, mas não o bastante que pudesse alcançar o aparelho, desistiu e não atendeu, quis ficar a sonhar. Tivera poucas horas de sono, mas não sentia o corpo cansado, apenas queria voltar aos sonhos daquela noite que foi veloz. Abriu os olhos e viu que a chuva que caiu durante toda a madrugada havia passado, um sinal que lá fora havia um dia de sol, porém seu coração pedia por mais algumas horas com pingos de chuva batendo na janela.
Virou para o lado e tentou dormir novamente, tentativa em vão, logo, uma música invadiu seu quarto, o almoço dos vizinhos havia começado. Sem escolhas, levantou-se e embaixo do chuveiro com água quente forte recuperava as últimas imagens, boas recordações para um dia de Domingo.
Saiu pelas ruas, precisava de pão, mas já passava do meio dia, todos comiam arroz e feijão, duas padarias e nas mãos um pacote de biscoitos de chocolate, não gostava de biscoitos, mas o chocolate cairia bem. Passou pela praça, havia movimento, pessoas sentadas nos bares, copos espalhados nas mesas, parecia que a noite ainda não havia acabado. Com um gesto de mão agradeceu o convite para se sentar, regressou ao seu caminho e com poucos passos já estava à frente de sua porta com as chaves a girar.
Sobre a cama, o lençol ainda se entrelaçava com o cobertor, não importou muito, puxou o travesseiro, ligou a TV e abriu seus biscoitos. A primeira mordida, sentiu que também precisava de um café, olhou para a cozinha, desistiu e notou, também, que precisa de uma cafeteira elétrica. Na TV apenas um filme, mudou de canal, mas nada melhor. Desligou e partiu para uma canção. Entre os CDs escolheu algo suave.
Acabaram os biscoitos e a música, fez algumas ligações. Sentiu saudade das ausências. Dias de domingo sempre são assim, esse um tanto quanto atípico, mas ainda assim continuava só. Distante dos lugares que lhe faziam tão bem.

PS.: Música: Yann Tiersen - La Noyee

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Um dança


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Com a ponta do dedo ela brincava com o gelo no copo, com a bebida forte tentava esquecer o frio e com o cigarro disfarçava a solidão.
As horas passavam e na mesa cinzeiro cheio e copos vazios se completavam, num gesto pedia algo mais, uma outra dose estava servida e logo, as pedrinhas flutuantes iam se derretendo ao deslizar pelas bordas do copo. O seu olhar fixo transmitia concentração, mas ela estava distante dali, seus pensamentos ainda mais distantes, nem se deu conta quando o garçom limpou o cinzeiro e levou os copos, nunca havia fumado antes, mas devorou um maço em poucas horas.
Os olhos se movimentavam do copo para o celular, do celular para o copo, parecia que seu corpo ia explodir. Girava a cabeça como se buscasse ao redor um rosto conhecido entre os freqüentadores do bar, mas sua procura se revelava frustrada ao tragar mais um cigarro.
Gesticulou novamente as mãos e pediu a conta.
A noite era especial, era noite de lua cheia, as ruas estavam claras e ela gostava de andar pelas ruas em dias assim, tentava se equilibrar no meio fio, mas sua condição não ajudava muito, desistiu e passou a seguir o desenho dos passeios. A cada esquina olhava para o relógio, parecia ter marcado um tempo, um tempo que nunca chegava.
Viu uma banca de jornal aberta, passou a mão no bolso e sentiu que não havia mais cigarros, resolver comprar mais, não queria ficar sozinha. Cumprimentou o jornaleiro, que naquela hora, estava preocupado em apenas separar a nova edição do jornal que acabara de chegar, ela pegou os cigarros e alguns chicletes, devolvendo a revista que folheava.
Voltou para sua caminhada, agora na companhia de um cigarro acesso, mas que em poucos minutos também a deixaria só. Brincou com as folhas da árvore, roubou uma flor e foi contando suas pétalas, nunca havia sorrido fazendo isso, mas hoje riu. Sentiu se como a flor roubada, aos poucos perdendo suas pétalas, seu encanto, ficando apenas um talo solitário. Tirando o sorriso do rosto deixou cair o talo antes de arrancar a última pétala, ele não haveria de terminar a noite como ela. Não seria para ele uma noite em vão.
Abriu os braços, o vento a convidava, sentia sua blusa agitar em seu corpo e ao tentar se arrumar iniciara uma dança, ela era o seu par, os seus braços a tinha em um abraço, as suas mãos deslizavam pela cintura e a sua cabeça descansava em um dos ombros, enfim, parecia que seu encontro havia começado, enfim, parecia ter chegado seu tempo.

PS.: Música: Paciência - Chicas
Agradecimento pela música ao Narrador

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Angel



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Uma imagem nua e crua...
Vista por olhares cozidos e vestidos...
Realidade registrada por um clique de dor...
Uma tradução que se prende no afago dessas finas mãos...
E permanecem distantes a mercê do tempo e do destino...
Aflitos, os sensíveis acompanham...
Paralisados com o contraste dos tons de cinza...
Revelando um lugar do mundo onde ainda falta cor...
Gritar, brigar, protestar e criticar...
De nada adianta se ficar sentado em poltronas marrons...
Na grande avaliação da vida é a questão do amor que tem maior peso...
E para acertá-la deveríamos pensar um pouco nesses anjos...
Seres que passam por aqui para transmitir e estimular sentimentos...
Sentimentos esses de dor, compaixão, pesar...
Mas acima de tudo, sentimentos de amor, de bem querer...


PS.: Música: Angel - Sarah Mclachlan

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Ir e vir



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Era manhã de um dia de Domingo, o sol se guardava por entre as nuvens e ao redor olhares aflitos dirigiam-se para o céu. A qualquer instante a nuvem passaria e lá estava ele a esquentar aquela nova manhã.
Havia levantado disposta a se entregar ao mar, tinha esperança que na água sua alma enfim flutuasse. Na areia deixou apenas a toalha e os chinelos e caminhou seguindo outros passos, que diferente dos dela, vinham.
Imaginou que por trás daquelas pegadas alguém tinha acabado de ficar mais leve, como ela queria estar agora, sentia seu corpo preso, enraizado em terrenos hostis, onde pequenas formigas estavam a lhe roer as folhas e os frutos. Seria bom entrar no mar. Sentir se levada pelas ondas. Afundar na areia fofa e emergir buscando ares de liberdade.
Aproximou-se da beira. A água trazida pelas ondas beijava seus pés. Num misto de euforia e receio deu o próximo passo. Agachou-se e com as mãos molhou o rosto. Sentiu o salgado doce do prazer.
Deixou-se levar e quando percebeu seu corpo estava boiando, com braços e pernas abertos brincava como criança. Havia perdido as raízes, podia voar. Sonhar. E nesses seus sonhos apenas imagens que lhe faziam suspirar. Os olhos abertos fitavam o sol e mesmo ele, agora estando todo exposto, não conseguia lhe ferir, pois ela que já havia aprendido a driblar as formigas, começava a aprender também, a desviar seu olhar para lugares que não lhe machucassem.


PS.: Obrigada pela imagem Narrador...
Texto gerado ao som do Keane - On a day like today...
Gostei disso, vou tentar colocar agora todas as músicas que ouço ao rabiscar meus esquadrinhos...

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Bons tempos

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Eu tava sentado no meio da rua chapando com uns amigos
No violão tocava de tudo, com o céu servindo de abrigo
A certa altura chegou uma figura pedindo: toca mais uma
Ela sentou ao meu lado e disse: cara, essa é uma noite dura
Uh! Manguaça é a luz do luar
Não tem hora para acabar
Só sei que aqui tá tão bom
Sentado no chão a cantar
A vida passa tão rápido à noite, o dia chega trazendo a vontade
De que essa noite nunca mais acabe, que o relógio funcione ao contrário
Mas um já cai sobre o outro e o cansaço domina os olhares
Essa cidade acordada e a boemia voltando pros lares
Uh! Manguaça é a luz do luar
Não tem hora para acabar
Só sei que aqui tá tão bom
Sentado no chão a cantar
Bendita manguaça, sob a luz da lua
Ninguém tá sabendo a hora
E a gente sentado no meio da rua
Amigos fazendo história

(Aggeu Marques, Doca Rolim)

PS.:
Esse final de semana roubou-me alguns sorrisos...
Fez-me recordar de bons momentos...
Onde sentar ao meio fio era a rotina dos finais de tarde...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O anjo mais velho

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“O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente”

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete, a cena se inverte
Enchendo a minha alma d’aquilo que outrora eu
Deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim

E o fim é belo incerto, depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar

(Fernando Anitelli)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O Contador


Sugiro que não reparem nas formas...
Tão pouco nas pernas tortas ou no braço estendido...
Tentem ver o que ainda há nas gavetas...
Se elas abertas estão...
Deve haver um motivo para isso...
Por aqui somos apenas contadores de sonhos...
E é frustrante ver a realidade consumir os dias...
A noite traz o prazer...
E todo ele vai sendo guardado em nós como se fossemos um armário...
Porém, quando não se começa a viver os sonhos...
As gavetas se enchem por demais...
E já não dá para fechá-las como antes...
Ficando sujeitas a olhos e mãos alheias...
Com os sonhos agora roubados...
No chão está entregue...
E contorcido fica a espera de algo ou alguém...
Sua cabeça que criava sonhos se abaixa...
E simplesmente, observa todas suas gavetas vazias...


PS.: Segundo desafio aceito...
Obrigada pela tela do Dalí Amiguinha**...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Dias assim


"A sorte vem ao seu encontro..."
Acaso ou não mas recebi essa frase hoje...
Talvez nada por aqui tenha mesmo muito sentido...
Mas definitivamente algo estranho anda rondando meus dias...
Deitar e dormir já não são duas coisas tão fáceis...
Horas a olhar para o teto...
Uma busca por detalhes perdidos por meio a tanta distraçao...
Quando se levanta e ainda tonto está...
As paredes ao redor num instante parecem se afunilar...
Dando a impressão de que está sendo engolido...
Mastigado pela ausência de uma mão a lhe segurar...
Dias assim são verdadeiras interrogações...
E uma resposta pode ser encontrada por acaso...
Então, que venha até a mim essa sorte...
Pois hoje acordei com muita preguiça para andar...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

No silêncio


Como se fala no silêncio?
Talvez por meio de um olhar...
Mas de olhos fechados não se pode expressar a língua do coração...
E a comunicação se perde...
O vento pode até ajudar...
Afinal, dizem que ele é capaz de carregar pensamentos...
Porém nem todos são capazes de sentir o toque do vento...
Restando para esses somente as palavras...
Elas escritas mantém o silêncio...
E conseguem se conservar vivas por longos tempos...
Assim é que em dias de silêncio os olhos buscam falar...
Quando entre as velhas páginas amareladas...
Pequenas letras enchem o estômago de borboletas...


PS.:Segunda mãozinha estendida...
Obrigada Narrador...

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Renascer


Renascer é o grande desafio...
Porque há dias em que falta coragem...
E viver o novo é arriscado por demais...
Mas o que está em risco quando já se foi ferido?
E distante estão todas as pequenas coisas...
O desejo de voar alimenta o fio da esperança...
Porém as asas caídas já não são mais símbolos de orgulho...
Renascer é uma grande incógnita...
De onde vem essa força? Como chegar a ela?
Abrir os olhos dói...
Principalmente quando não se tem o que vê...
Nas paisagens escuras que envolvem as cinzas...
Somente se faz lembrar vida o calor das últimas chamas...
Essas chamas que chamam quem ainda deseja viver...


PS.: Primeira mãozinha estendida...
Obrigada amiguinha*...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Gostaria de uma mãozinha


Depois de todos esses meses deixando pedacinhos de pensamentos por aqui...
Hoje eu gostaria de ajuda...
Ando pensando sobre o que escrever...
E confesso que tenho achado tudo meio sem cor...
As imagens já não me dizem tantas coisas...
Muito menos minhas idéias têm sido compatíveis com as imagens que encontro...
Então eu queria que vocês que passam pelo recanto me dessem uma mãozinha...
Através do endereço de e-mail que tem ali no cantinho...
Vocês poderiam me enviar algumas imagens...
Quem sabe eu possa as traduzir em palavras...
Seria uma experiência interessante...
Essa partilha de impressões com desconhecidos...
Desde já agradeço a colaboração que será muito bem vinda...

Obrigada,
Até a volta... até a próxima... até um dia!!
Valeu!:)...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Samba


Ouça...
Em todos os cantos deste país...
Nos disparates desta vida...
Amar só muda de sotaque...
Não importa muito onde se está...
Mesmo um coração com poucas habilidades...
Será capaz de encontrar...
Simplesmente porque o caminho é sempre igual...
A história de um livro em branco ganha alguns rascunhos...
Porém com uma grafia a se decifrar...
Mas já que em toda casa há um bamba...
E nem todo mundo é samba...
Hoje, nesse dia de carnaval...
Com desfiles de escolas e avenidas cheias...
Vou cair na batida para me animar...
Porque essa rotina não está mole...
E por isso tento me segurar...

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Para o Feriado de Carnaval



O LEITOR IGNORANTE — A VERDADE POR TRÁS DO MICO
Furio Lonza

O leitor ignorante lê. O leitor ignorante lê muito. Investe nisso. Tem gana de ler. É metódico, disciplinado, eclético. Com uma periodicidade quase religiosa, compra pacotes completos de livros que abrangem todas as áreas do conhecimento humano. Gasta em média de mil a dois mil reais em livros por mês. Tem crédito, tem credibilidade. É impulsivo, compulsivo, um deglutidor visceral. É reconhecido pelos vendedores das livrarias à distância. É reverenciado, paparicado, assediado, elogiado.
Ao contrário do que se pensa, o leitor ignorante não lê só best sellers descartáveis, livros de auto ajuda ou romances espíritas. Pelo contrário: ele lê de tudo: clássicos russos, ensaios de Antropologia, livros da moda, especulações científicas, biografias de filósofos, novelas policiais, contos de escritores alternativos, thrillers de suspense e novas teorias a respeito do Cosmo.
O leitor ignorante é um fenômeno relativamente recente. Surgiu há uns 10 anos. O leitor ignorante tem uma peculiaridade: só compra edições primorosas, caras e luxuosas, de capa dura, sobrecapa acetinada, miolo ilustrado com esmero e orelhas assinadas por luminares de cada gênero. Os títulos dos livros são geralmente grafados com letras em alto relevo e o lay out é de primeiro mundo.
O leitor ignorante só compra livros de peso: de 350 a 860 páginas cada. O leitor ignorante orgulha-se de ler tanto e de investir tanto na cultura. O preço dos livros que compra varia de 49,90 a 143,00 reais cada.
O leitor ignorante tem paradigmas próprios e intransferíveis. Uma das principais características do leitor ignorante é que ele lê muito, mas, por convicção, não assimila, não apreende nada, não retém as informações, passa batido pelo enredo, não agrega a história ou o perfil dos personagens ao seu dia a dia, pois tem mais coisas a fazer na puta da vida. Na melhor das hipóteses, esquece tudo que leu no dia seguinte.
O leitor ignorante lê os livros com um olho no texto e outro no número da página. O importante é a quantidade. O leitor ignorante não comenta os livros que lê em rodinhas, ele cita os títulos, acrescentando em seguida palavras ou expressões emblemáticas, tipo:
- A-do-rei.
- A-mei.
- Show de bola.
- Esse livro é dez.
As citações são profusas: em menos de 2 minutos, cerca de vinte ou trinta títulos brotam na conversa. Assim, na maior casualidade. É mais forte que ele. Quando alguém da roda ousa avançar o sinal, quebrar o protocolo e gastar mais do que 30 segundos num título, ele é logo cortado com outra citação do leitor ignorante. E assim por diante.
Para o leitor ignorante, muito dificilmente um livro fará sua cabeça ou mudará sua vida. Seu distanciamento em relação às idéias, filosofia & propostas desenvolvidas na trama é olímpico.
Outra característica do leitor ignorante é o interesse cada vez mais crescente em relação a livros que falam de (ou situam o enredo em) países que estão no noticiário dos jornais. Em geral, são regiões exóticas, famintas, paupérrimas, decadentes, com alto índice de mortalidade, seja por inanição ou guerras sazonais. A cultura desses países é um prato cheio para o leitor ignorante. Ele fica fascinado no momento. Em situações extremas, ele chega até a comentar algo a respeito com a patroa na hora do almoço. Mas são casos isolados.
Se, por um acaso, perguntamos algo a respeito do livro que tanto o fascinou dois meses depois, o leitor ignorante titubeia, diz que ouviu falar, sim, lembra alguma coisa, contaram pra ele ou leu algo nos jornais. Sim, ele lembra vagamente que fez um barulho bacana na imprensa, foi muito comentado em determinadas rodas, sabe que é um livro importante, inclusive está na lista de suas futuras aquisições. E cita mais cinco ou seis livros que estarão no próximo pacote.
Sempre atentas às flutuações e fenômenos periódicos do mercado, as editoras sabem disso. E publicam o mesmo livro, agora ilustrado ou com um apêndice novo ou com uma introdução de um figurão ou com um capítulo inédito. Que é devidamente comprado de novo pelo leitor ignorante. Que vai citá-lo na mesma rodinha com as mesmas palavras. Até que a editora publique outro título mais ou menos parecido do mesmo autor. Que vai ser novamente comprado pelo leitor ignorante. Que vai citá-lo na rodinha. E assim por diante.
Quanto mais lê, mais o leitor ignorante aprimora sua ignorância. Os volumes se avolumam, tomos & tomos são empilhados na estante meio que aleatoriamente, ficam amontoados, na oblíqua, sem método, pois o leitor ignorante gosta de passar uma idéia generalizada de desapego. O que sofistica ainda mais sua atitude idiossincrática.
O leitor ignorante é um homem moderno, ativo, atuante. Acompanha na maior desenvoltura a velocidade e a urgência dos tempos que correm. Tem profissão liberal, de preferência ligada à área de informática. Possui um cargo de diretoria com poder de mando & veto. É em sua ampla sala com design arrojado num edifício futurista que o leitor ignorante exerce seu poder de decisão, orientando seus subordinados através de planilhas & gráficos, capitaneando reuniões onde são traçadas as diretrizes da empresa. O leitor ignorante é um vencedor. Seu alto salário lhe proporciona todas as benesses de uma vida materialmente resolvida. Mora numa cobertura no Leblon. Alterna seus fins de semana entre a região dos Lagos, onde tem um sítio, e as cidades serranas, onde curte o frio com sua família numa casa pré-fabricada de madeira, fugindo das temperaturas de 39 graus à sombra da Zona Sul do Rio. É para lá que leva o laptop, a web câmara, o pen drive, os dois celulares e o pacote de livros.
Há uns 10 anos, as editoras ignorantes fizeram sua opção: depois de muitas discussões, marchas & contramarchas, teorias & hipóteses levantadas, as editoras ignorantes fizeram as contas e ficou estabelecido que seus investimentos seriam totalmente dirigidos para o leitor ignorante. Toda uma estratégia de marketing foi desenvolvida nesse sentido. Na prática, isso queria dizer mais ou menos o seguinte: é mais negócio vender um livro de 200 reais do que 10 a 20 reais cada. Em conluio aberto com as livrarias ignorantes, que também já andavam flertando com essa idéia há muito tempo, vários problemas ficaram resolvidos: o estoque, o rodízio de títulos, a exposição dos novos lançamentos, a devolução, a consignação, a divisão das livrarias ignorantes em partes nobres & estanques.
Para isso, no entanto, uma terceira e importante força foi ativada: a imprensa ignorante. Em perfeita sincronia entre as partes interessadas, começou a fazer um interessante jogo de meio de campo. Da seguinte maneira: só os livros ignorantes (grandes, luxuosos e caros) recebem atenção da imprensa ignorante, que exalta suas virtudes, importância e peso cultural, explodindo matérias enormes nas capas dos suplementos ignorantes, com o foco dirigido para o leitor ignorante, que se dirige às livrarias ignorantes que, por sua vez, expõem o livro como um objeto de desejo.
Esse novo segmento de fast food literário vingou aos poucos, solidificando-se definitivamente no seio da nossa trepidante sociedade ignorante. Para isso, contudo, outras atitudes complementares foram tomadas às pressas: as livrarias ignorantes incrementaram suas dependências com luxuosos e caros restaurantes, cafés e pontos de encontro. Nietzsche, Umberto Eco e Michel Foucault passaram a dividir irmamente o espaço com deliciosas saladinhas básicas de rúcula com damasco e nozes, carpaccio de cherne, simpáticas trouxinhas de trufas e generosos copos de prosecco ou espumante importados. Esses acepipes, com o tempo, passaram a custar mais do que a obra completa do J. D. Salinger, por exemplo. Ou de Proust. Ou a famosa tetralogia de Lawrence Durrell.
Numa outra parte nobre das livrarias ignorantes, o leitor ignorante pode também desfrutar de fetiches: calendários da Taschen a 278 reais, charutos importados de Cuba, miniaturas de motos e automóveis cujos preços módicos oscilam entre 170 e 450 reais cada. Tudo para que o leitor ignorante se sinta tão à vontade como se estivesse na própria casa.
É para esses autênticos bulevares do saber que se dirige o leitor ignorante com sua família aos sábados e/ou domingos para o festim gastro cultural de fim de semana. A mãe, toda magnânima, analisada e super-resolvida leva logo a prole para a seção infantil, que fica nos fundos da mega livraria. É lá que os pimpolhos seguem os passos do pai ignorante, escolhendo seus pacotes de livros para a construção de sua futura ignorância. Enganam-se, porém, os que acham que as crianças ignorantes só gostam de publicações de monstros, feiticeiras ou detetives mirins. Eles lêem de tudo: clássicos russos, ingleses, franceses e nórdicos reescritos por escritores brasileiros desempregados; especulações científicas recontadas de forma didática por cientistas brasileiros desempregados; histórias do folclore resumidas por antropólogos e sociólogos brasileiros desempregados. Show de bola.
Nessas brejeiras andanças dominicais, o leitor ignorante gosta de fazer uma turnê circular pelas estantes e gôndolas da mega store, apontando para alguns títulos e dizendo:
- Esse eu tenho, esse eu não tenho.
Tipo assim, como num álbum de figurinhas.
- Esse eu já li, esse eu ainda vou ler.
Uma graça.
Em vésperas de eventos natalinos ou aniversários de parentes & conhecidos, as livrarias ignorantes são o point ideal para que o leitor ignorante adquira os livros ignorantes para presentear os amigos ignorantes. Há todo um método peculiar para que ele resolva quem vai ganhar o quê. Levando em conta o tipo de personalidade, caráter & características pessoais ou psicológicas de cada um, ele, geralmente, escolhe uma coleção luxuosa, cara, com capa dura plastificada e com títulos impressos em alto relevo.
Em seguida, o leitor ignorante coloca em prática toda uma gama de análises estéticas e físicas: com as duas mãos espalmadas por baixo de um exemplar, em forma de balança, ele pesa mentalmente a importância do livro, levanta e abaixa o exemplar, de maneira pendular, como se estivesse embalando um bebê recém nascido. Não só: faz perguntas à patroa, geralmente mais descolada nesses detalhes. Tipo:
- Será que ele vai gostar dessa capa, meu amor? Não é a cara dele?
Nem sempre ela concorda. Às vezes, ela franze a testa e diz:
- Você sabe que ele não gosta de vermelho. É melhor levar esse de capa verde. É mais ele.
- Mas o de capa verde só tem 270 páginas!, retruca o maridão ignorante, também franzindo a testa. Instaura-se a cizânia. Nessas horas, o ideal para resolver o impasse é mudar de coleção, até que o perfil do aniversariante se encaixe perfeitamente nos parâmetros de peso do livro e cor da capa, uma dobradinha difícil de ser satisfeita, sem dúvida.
Esse boom não poderia mesmo passar despercebido. Estatísticas, gráficos, tabelas, planilhas e ensaios sociológicos explodiram na mídia, mostrando a nova realidade em números incontestáveis: o brasileiro está lendo mais, comprando mais livros, incrementando sua cultura e se tornando um cidadão mais informado. Nunca na História do país surgiram tantas editoras novas, tantas livrarias tipo megastore, as editoras nunca publicaram tantos títulos, tantos escritores, tantas traduções, nunca houve tantas feiras de livros, tantas bienais, tantos encontros literários, nunca tantos escritores estrangeiros de países exóticos vieram visitar o país, lançando suas obras em primeira mão, nunca houve tantos prêmios literários, verbas, bolsas, concursos e financiamentos para escritores, nunca tantos atores e atrizes de telenovelas mostraram na telinha que têm o salutar hábito da leitura, divulgando títulos fundamentais e prestando um serviço educacional moderno & de ponta, nunca se valorizou tanto a arte & a cultura como um todo.
É uma tendência natural e irreversível no mercado editorial brasileiro, uma estrada sem volta, uma verdade absoluta, um importante passo para o futuro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Paixão


É efêmera, dura o tempo de uma estação...
Estar apaixonada é vibrar, sentir cada pedacinho do corpo reagir...
É perder as batidas do coração...
E desejar o encontro dos corpos e das mentes...