quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Entre trilhas


Longe de sua casa ela sempre buscava por coisas que a mantinham ocupada e distraída, havia nela uma vontade de descobrir novos caminhos, quando criança reinventava trilhas e atalhos por dentro da manga que a separava da escola a casa. Brincava com o capim comprido, o vento agitava as folhas mais altas, e ela deixava pousar em sua mão aqueles delicados pelinhos voadores, suavemente os assoprava, uns voltavam ao seu itinerário, outros se desfaziam e faziam com que o brilho do sol ficasse ainda mais bonito.
Caminhava sem pressa, apesar de temer o cair da noite. Na memória os avisos de sua mãe e logo intercalava passos longos entre outros mais curtos. Gostava do silêncio daquele lugar, havia apenas a companhia dos pássaros e de outros bichos que se embrenhavam entre os arbustos.
Na mão direita uma varinha, às vezes a batia numa pedra, outras, se protegia de um capim mais afiado e assim eram suas tardes de volta para casa. Por muito tempo fez esse percurso, não que não gostasse muito de andar todos aqueles quilômetros, porém tinha que contar seus segredos para o vento, fiel e bom ouvinte. Tagarelava sobre tudo e todos e esperava as respostas com a mudança de direção ou numa rajada mais forte. Ela nunca fora de muitas amizades, sempre teve dificuldades em confiar nos semelhantes, por isso preferia estar com o vento, com as trilhas, com sua a varinha e com seu gasto par de sapato.
O tempo foi passando e ela deixava de ser uma criança, aos poucos via seu corpo mudar, pensamentos e desejos também, no seu mundo de adolescente havia agora mais responsabilidades, mais disciplinas na carteirinha da escola, mais incertezas e, infelizmente, menos tempo para trilhas.
Uma prova que estava mais crescida foi quando ganhou uma bicicleta, saiu sozinha rumo ao colégio, a principio ficou aliviada, pois encurtou em muito as distâncias, podia acompanhar facilmente suas novelas. Logo que passou a euforia do novo presente e aquele gostinho de independência, ela foi voltando a sua velha rotina, mas agora estava diferente, vivia amuada nos cantos, nos intervalos das aulas sentava sempre no mesmo degrau da escada ou então, em dias mais barulhentos, refugiava se no beiral do segundo andar, poucos arriscavam em incomodá-la lá, tomou gosto por aquele lugar, ali buscava por reencontros, esperava um ruído, um sinal de que ele novamente a tocaria. Sem perceber foi ela se afastando do seu amigo vento, suas conversas foram trocadas por ofegantes respirações, sua atenção agora estava voltada para os carros, seus olhos miravam o andar desengonçado do pipoqueiro e nos ouvidos as loucas buzinas que não aproximam ninguém, havia abandonado o assentar dos pelinhos voadores e passou a absorver a fumaça do caminhão.
Ela que até de mãos soltas se equilibrava sobre aquelas duas rodas, perdia aos poucos e sem se dar conta o centro de gravidade do seu coração.

2 comentários:

Narradora disse...

Gosto quando dá pra entrar no texto e isso aconteceu nesse seu... Andei com a menina pela trilha, soprando pelinho e batendo varinha; sentei no beiral e senti o vento, correndo de bicicleta...
Quanto ao coração, a gente sempre sabe o caminho de volta.
Beijo grande

PS: senti falta dos seus textos, que bom que voltou :D

Anônimo disse...

Nossa, amiguinha, o final do texto me comoveu... Poxa, quantas vezes, em nossa vida, achamos estar com tudo sob o controle, mas na verdade estamos perdendo o equilíbrio prestes a derrapar na primeira curva mais acentuada... Você tocou em um ponto crucial para mim: as incertezas... “O que me atormenta é que tudo é por enquanto, nada é sempre".
Que bom que você voltou!
Beijo enorme.