sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

What?


Era finalzinho de tarde, o sol se pondo e o roxo sutilmente ofuscava o azul do céu, mas já não chamava tanta atenção de quem há dias via aquela mesma paisagem, a cada nascer e pôr do sol ali no mesmo lugar. Aquele trem com seus quase trinta vagões já havia ficado pequeno por demais e até as acomodações mais luxuosas tornaram-se sufocantes. Após o café da manhã no vagão restaurante, onde encontrava com alguns conhecidos de viagem, saía a caminhar pelos extensos corredores e por vez ou outra se sentava em uma das raras poltronas vazias, era quando folheava seu amarelado, mas inseparável livrinho de bolso.
Naquela manhã, o calor não dava trégua e os raios de sol invadiam por qualquer frestinha, nem mesmo o vento era capaz de aliviar aquele infernal mormaço. Levantou e se pôs de bruços no peitoril da janela, talvez expondo se ainda mais o refrescasse. Mas pelo visto a única coisa que conseguiu foi acumular mais poeira nas abas de seu chapéu cor de palha. Batendo ele na perna, voltou a se sentar.
Abriu novamente seu livrinho e com uma caneta dourada parecia rabiscar alguma coisa, mas de relance girou a cabeça e com os olhos tentava buscar por quem havia iniciado aquela canção, um som abafado de sax entoava um cool jazz, algo meio Miles Davis, a música vinha do final do corredor daquele vagão e até chegar aos seus ouvidos muito já havia se perdido, algumas notas eram distorcidas com o barulho continuo da locomotiva sobre os trilhos. Passando a mão sobre a cabeça tentava buscar a figura que empunhava o instrumento, mas as pessoas que se espremiam no corredor atrapalhavam a visão.
Curioso, passou para o assento ao lado, o do corredor, mas não adiantou muito, ainda não conseguia ver o músico misterioso. Ergueu a cabeça e olhando para o teto como se estivesse a decidir algo importante deu um pulo e pôs se de pé, ajeitou o paletó e com alguns passos a frente estava no círculo que já havia se feito ao redor do saxofonista.
De Miles Davis foi para Tom Jobim o que atiçou ainda mais a sua curiosidade, amava o Tom, afinal era um dos grandes adeptos a bossa nova, ao tentar se aproximar mais, esbarrou numa senhora de vestido branco e ao virar-se para pedir desculpas percebeu que era a mesma pessoa que nunca saía de seus aposentos na primeira classe. Seu olhar mal desviou do saxofonista mesmo ele a pegando pelo braço, ela estava paralisada, parecia atônita com o que via. Já ele não mais se interessou pela música apenas para o olhar dela.
Sem nem mesmo ver quem tocava, voltou para o seu assento e abriu novamente seu livrinho amarelo e rabiscou mais algumas linhas.

Um comentário:

Unknown disse...

Hum...sinto cheiro de mais surpresas boas...
Um conto por um conto, rs.
Beijos com mt carinho, minha linda e doce mocinha!!!