segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Tudo é muito claro


Clara era jovem, mas sua aparência não condizia com seus anos de experiência, seu semblante era frio, distante, como se houvesse acumulado todo o cinza do inverno. Parte do seu tempo destinava em organizar papéis amarelados pelos anos, a cada hora uma nova pilha se formava e outra se queimava, as destruía com a mesma velocidade que as lia, tinha adquirido uma técnica incrível de leitura rápida. Afinal, mais pilhas deveriam ser formadas até o final do dia. Não se importava muito com o que diziam as letras impressas nas folhas, apenas tinha que ler.
A outra parte de seu tempo ela dedicava-se a interpretar sentimentos alheios, e para isso, fazia de suas janelas, portas e frestas, seus binóculos. Gostava de ficar descalço, porque achava que faria menos barulho caso alguém batesse a sua porta. Apesar de isso nunca acontecer. Seus vizinhos nem imaginavam de sua presença naquela casa velha.
Era cedo e a brisa da manhã se evaporava lentamente com os primeiros raios de sol, como se aquele vapor tocasse em Clara, subitamente ela se levantava e colocava-se diante aos seus binóculos. Pela porta da frente via os pedestres passando pela calçada a brincar com as folhas molhadas e ela anotava em seu caderno: Esses parecem estar felizes, mas ainda é cedo.
Correu para a janela lateral, de lá pode ver claramente a varanda do vizinho e ele com um beijo a se despedir da esposa e filhos. Fez nova nota: Esses parecem estar felizes, mas ainda é tão cedo.
Ao escutar uma sirene, subiu pela velha escada para o segundo andar e pela fresta da cortina pode ver na escola crianças correndo pelo pátio. Novamente anotou: Esses parecem estar felizes, mais ainda é cedo demais.
Foi para seu quarto analisar o que havia anotado naquela manhã, não entendia o porquê de todos amanhecerem tão felizes. O que de especial poderia acontecer tão cedo para que os deixassem tão eufóricos, achou que talvez nenhum deles tivessem tido pesadelos e por isso estavam daquela maneira, mas ela também não os tinha tido e não estava irradiando felicidade, de relance olhou para um calendário e viu que era o primeiro dia de verão, e só então percebeu que haviam passado tantos dias, desde a última vez que se viu feliz. Foi quando Clara entendeu que eles estavam felizes simplesmente porque os dias passam e que eles ainda estavam vivos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhosa mensagem minha linda e doce mocinha...
Obrigada por estar sempre a nos presentear...
Beijo cheinho de carinho e desejos de coisas boas...só coisas boas!!!e que em cada amanhecer vc se sinta feliz!!!

Anônimo disse...

Parabéns !! adoro esse estilo e a imagem está perfeita..gostaria de ser presenteada mais vezes...
Como é gostoso acompanhar esse seu crescimento...virando gente grande
Muito me orgulho de vc e que Deus,
continue cada vez mais, iluminando essa cabecinha de alta alma tão grande...
Valeu ...

Ro*

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Anônimo disse...

O que vc escreveu me fez lembrar daquela história da mulher que via a sujeira da casa do vizinho pela vidraça da janela e não percebia que o que estava sujo era o vidro de que ela era constituída, o qual esquecera de limpar. Em sua história, acontece o mesmo às avessas, pois ela enxerga beleza fora de seu espaço de vivência, com isso, acaba esquecendo-se de alimentar a alegria de sua vida. Clara bloqueia a sua visão para dentro de si e caminha às cegas, sem compreender pq é a única infeliz...
Assim somos tantas vezes... preocupamo-nos em compreender pq as pessoas são tão felizes e nós não, quando, na verdade, felicidade (ou alegria, se preferir) é simplesmente uma maneira de vislumbrar tudo e todos que nos cercam.
beijo de boa semana!**

Anônimo disse...

Muito bacana o texto! Viver o hoje e o agora... não adiando os sentimentos, os momentos, não anulando a vontade de ser feliz e deixando escapar por entre as mãos, tal qual quem olha pelo vidro da janela o tempo passar... Um excelente dia senhorita Huntress!

Dai disse...

nao esquece de mim nao, ta?

Unknown disse...

Eu fico cada dia mais feliz com os comentários que vocês deixam por aqui...
É de uma sensibilidade tamanha...
Assusta-me às vezes ver como vocês capturam perfeitamente esses esquadros...
Revelando que tenho em minha volta pessoas que não esqueceram de ver com o coração...
E mesmo que haja dias em que o melhor local para se ver a vida é por trás das vidraças, tem-se a medida e o tempo certo para se abrir as janelas...
Até a volta... até a próxima... até um dia...
Valeu...