terça-feira, 27 de maio de 2008

Tarde


Não tenho muito a contar
Tão pouco, anos a anoitecer
De um todo a se finalizar
Um novo pronto a nascer

Sem ouvir me espanto
E ao longe, no mar
Grito para sentir o canto
Um encanto vindo com o ar

Tarde,
É hora de voltar
Tudo em volta arde
Saudade em estar

quinta-feira, 1 de maio de 2008

As aparências enganam


D.Luiza, em um dos poucos momentos que se encontrava sem seus afazeres habituais, estava sentada na varanda a observar o vento que balançava a roupa estendida no varal. Com uma leveza tal, as barras das calças pareciam dançar no ritmo das rajadas de ar. Era bonito ver as mangas de camisa se abraçarem e, em instantes, todas as cores se misturarem.
Era um dia silencioso, apenas ouvia a zoada dos pardais agitados, talvez fossem eles a dar o tom para a dança do vento. Estranhava por as crianças do casal de vizinhos não terem ainda saído, era costume nas manhãs de domingo brincarem de bola na calçada, abafando o barulho dos pardais. Esticou os olhos além da cerca e nada delas. Segurando o braço da cadeira, levantou-se, dirigiu-se ao portão, viu que realmente tinha algo diferente, a rua estava deserta, sem carros estacionados.
Decidiu dar uma volta pelo quarteirão, arrumou seu vestido floral e abriu a porta. Andava sempre lentamente, como se estivesse a contar os passos, não tinha pressa alguma, queria apenas dar uma volta na rua. Seus dias corridos nunca a permitiram andar por ali com tanta tranqüilidade. Em dias normais, com muitos carros e pessoas a transitarem, era impedida de observar as flores que desabrochavam no grande Ipê Roxo. Notou também que a prefeitura havia mandado caiar o meio fio, estava tudo tão limpo, gostou do que viu. Passou em frente à casa de Marta, pela janela a viu na sala, levantou a mão e acenou. Lá de dentro, Marta fez um gesto pedindo que a esperasse, ela o fez. Aguardou olhando tudo em sua volta, percebeu que o silêncio não estava apenas em sua casa, mas em toda a rua.
A amiga veio junto a ela e se cumprimentaram. D.Luiza perguntou se havia acontecido algo, o porquê de todo aquele silêncio para um dia de domingo. Ela balançou a cabeça num gesto negativo, como se dissesse que não sabia o que acontecia. D.Luiza sentiu um apertar no peito ainda mais estranho diante daquela resposta da amiga e então as duas, sem dizerem nada uma com a outra, seguiram em direção à igreja.
Viu que havia um certo movimento, alguns carros parados, pessoas na porta, porém percebeu algo de estranho, pois não havia música, como era de costume nas celebrações dominicais. Em frente à porta, havia um casal abraçado, como se estivesse a se consolar. Aproximando ainda mais, pôde ver um letreiro luminoso com o emblema da funerária local, descobriu todo o mistério. Alguém havia morrido no bairro.
Ela, então, caminhando ainda lentamente, olhou para a amiga e pôs-se junto às escadas, subiu os degraus e deparou-se com alguns de seus vizinhos de rua e outros desconhecidos. No altar, viu o caixão suspenso por aparadores dourados e cobertos com flores brancas, em volta algumas coroas e menções de condolências, não leu as mensagens, havia deixado seus óculos em casa.
Aproximou-se ainda mais e viu o marido de D. Marta, ele a cumprimentou com um aceno, estava abatido e mantinha um olhar sombrio. Desviando seu olhar do dele, ela mirou o morto. Com um passo para trás, equilibrou-se ao ver Marta morta.